terça-feira, 5 de abril de 2011

Sobre curadoria

LUCIANO TRIGO Waltercio Caldas já usou a expressão “Curadorismo” para se referir ao crescente poder dos curadores no sistema da arte. Como você vê isso?

VIK MUNIZ O Waltercio tem razão, Mas o fato não é tão preocupante, porque hoje em dia tem mais curador do que DJ. No futuro cada artista vai ter o seu., como um tradutor; o artista balbucia uns grunhidos grotescos e babados por de trás de uma focinheira à la Aníbal Lecter, e o almofadinha de preto com gola rolê ao lado traduz tudo em um jargão pedante e cheio de footnotes, mais ininteligível do que o grunhido babado. Essa é a mais perfeita parceria entre o estereótipo da razão e o da sensualidade. Eu acho isso muito divertido. O mais engraçado ainda é que eu também sou curador. Outro dia eu bebi relativamente em  demasia e me engajei numa briga ferrenha com um camarada que tentava me convencer de que artista não entende nada de arte. Só quando eu falei para ele que eu havia sido curador de exposições no Metropolitan, no MoMA e no Musée d’Orsay, ele começou a respeitar o que eu estava dizendo e até me pediu desculpas. Era como se eu tivesse mostrado a ele que, em vez de bandido, eu era delegado da policia. O pintor americano Ross Bleckner disse alguns anos atrás uma frase que ficou na minha cabeça: “Van Gogh fucked the rest of us. A ideia de um artista “além do seu tempo”, marginal, mal ajustado e incompreensível, de uma certa maneira prevalece na imaginação pública, criando um espaço para a atividade parasítica de alguns desses “profissionais”. A simples ideia da necessidade de um intermediário entre qualquer artista e seu público me parece sinistra e predatória, porém muito da culpa do atual poder do “curadorismo” vem do próprio artista contemporâneo, que, ignorando, desconhecendo e alienando seu público, prefere se esconder atrás da artificialidade segregadora que certos curadores propiciam. Eu não posso conter essa impressão que tenho de que a função desse tipo de curador é de elevar a posição do artista por meio do detrimento da sua relação com o público. Eu às vezes saio de exposições sem um maior conhecimento da obra de fulano, porém absolutamente convencido da minha incapacidade de compreendê-la. A função do curador hoje em dia seria garimpar a complexidade holográfica do mundo da informação, à procura de direções e convergências, ou re-organizar a informação acumulada ao longo da História de acordo com a sensibilidade e percepção contemporânea. Eu, particularmente, curto muito os projetos de grande escala, cujo tema é abordado de uma forma multidisciplinar e atemporal, como os blockbusters de Jean-Hubert Martin ou Jean Clair.